Ausência de evidência não significa evidência de ausência

É interessante pensar como, paradoxalmente, um dos principais motivos pelos quais boa parte das narrativas “anti-máscaras” se sustentou pode ser traçado ao excesso de confiança da comunidade científica em Randomized Controlled Trials (RCTs) e a dificuldade, por parte de muitos policy-makers, em compreender que ausência de evidência não significa evidência de ausência [de efeito].

Importante lembrar que mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2020 se recusava a recomendar o uso de máscaras. O motivo: ausência de evidências.

A instituição inicialmente se recusou a endossar o uso de máscaras médicas como forma de intervenção não-farmacêutica para a prevenção ou redução da disseminação do vírus e se opôs radicalmente ao uso de quaisquer outros tipos de máscaras: em março de 2020, afirmou categoricamente que “a máscara médica não é necessária para pessoas que não estão doentes, pois não há evidências de sua utilidade para protegê-las” e que “máscaras de tecido (por exemplo, algodão ou gaze) não são recomendadas em nenhuma circunstância”:

A medical mask is not required for people who are not sick as there is no evidence of its usefulness in protecting them.

Cloth (e.g. cotton or gauze) masks are not recommended under any circumstances.

WHO (2020), em Advice on the use of masks in the community, during home care, and in health care settings in the context of COVID-19.

Irônicamente, o excesso de confiança na metodologia científica e na necessidade de evidence-based policy, onde por evidência pode-se ler — aqui, sem grandes prejuízos — “RCT”, terminou por prescrever e incentivar justamente a posição hoje considerada menos científica!

Pensar nisso é interessante, porque explicita muito bem a dificuldade de conciliar pesquisa científica supostamente de ponta (neste contexto, RCT) com orientações práticas de política, especialmente em situações emergenciais. Isso, naturalmente, tem implicações muito importantes, sobretudo para a prática dos RCTs em Economia — área na qual situações “emergenciais” são muito mais comuns; e a necessidade de orientações práticas de política, muito mais frequentes.

Minha opinião sincera sobre a questão: vender um método como “gold standard” e, com base nisso, desqualificar por completas conclusões e orientações provenientes de métodos alternativos configura uma posição bastante arriscada.

Por uma perspectiva pragmática, orientações baseadas em métodos alternativos — ainda que sustentadas de maneira menos sólida em evidências robustas — poderiam ser (e, nesse caso específico, provavelmente seriam) capazes de prover resultados muito mais satisfatórios em termos de políticas práticas do que orientações estritamente baseadas no “gold standard” metodológico.

O resumo da ópera, portanto, é que basear-se excessivamente em “evidence-based policy” pode ser perigoso. Diante da escassez de evidências, boa parte da população torna-se sujeita (e inclinada) à interpretação de que a ausência de evidências representa evidência de ausência. As consequências dessa interpretação podem (e tendem a) ser bastante perversas — vide o case das máscaras no contexto da pandemia da COVID-19.

Termino por recomendar a leitura deste artigo sobre o assunto — que, diga-se de passagem, motivou esta postagem.